H.Mourato

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segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sobre "Retratos COM-TRATOS" por Carlos Carranca

«Ainda hoje me interrogo por que diabo tinha de ser eu a escrever esta meia dúzia de palavras sobre os retratos, ou pseudoretratos, carregados de humanidade (alguns ainda trazem terra agarrada às orelhas) desse camponês do Chiado chamado H. Mourato.
H de homem, bicho instintivo, preso à sua terra alenteia, imprime aos seus "bonecos" um tempo... o olhar de um tempo original, o do menino que cresceu e continuou menino a olhar, da margem, a vida, saltando para dentro dela, pulando - um principezinho a fazer serenatas à lua em sua flauta pastoril.
Ainda hoje me interrogo quanto ao sentido da vida, sentindo-a cada vez mais absurda e bela. É nesse absurdo e nessa beleza que guardo do Artista H. Mourato a grata sensação de alguém que reage ao que vê com a força dos sentimentos; de alguém que não desenha o que vê, mas o que sente.
Em Mourato a Arte não se justifica pela técnica, ela é simplesmente o suporte de uma extraordinária intuição sem mestre.
É escusado procurarmos em Mourato influências de fulano ou de sicrano. Estamos em presença de um artista da autenticidade que guarda dentro de si a verdade limpa dos horizontes da sua terra natal.
Profundamente telúrico, os seus retratos, de uma singular densidade psicológica, ou se mostram vivos, num expressionismo deformante, ora num surrealismo sem patronos. E todos nós nos sentimos, quando retratados, amados por alguém que possui a rara capacidade de intuir o que lhe é exterior.
A sua ironia é fruto de uma contida e exuberante personalidade. Mourato não se leva demasiado a sério. Ele observa-nos, observando-se. Daí a sua tolerância, a sua ironia.
Por entre as influências do impressionismo, do abstraccionismo, do expressionismo e do surrealismo, por todas elas se passeia, sem de nenhuma tirar o modelo. Ele sabe que existem: - Que nos façam muito bom proveito!
Sempre que revejo os desenhos de Mourato, esses que ele vai deixando em folhas de papel do momento e no-los oferece como testemunho da sua ternura, recordo uns versos que Torga dedicou à vida:

"Amo a vida, esta bela prostituta
Esta mulher tão pura e dissoluta
No mesmo instante,
Que não dá tréguas a nenhum amante"

São cinquenta retratos vividos, de escritores amigos e algumas figuras tutelares que o tempo vai coleccionando e perdendo pelo caminho.
Lousã, 19/4/2000
Carlos Carranca
(in "RETRATOS COM-TRATOS")