«Ainda
hoje me interrogo por que diabo tinha de ser eu a escrever esta meia
dúzia de palavras sobre os retratos, ou pseudoretratos,
carregados de humanidade (alguns ainda trazem terra agarrada às
orelhas) desse camponês do Chiado chamado H. Mourato.
H de homem,
bicho instintivo, preso à sua terra alenteia, imprime aos seus
"bonecos" um tempo... o olhar de um tempo original, o do
menino que cresceu e continuou menino a olhar, da margem, a vida,
saltando para dentro dela, pulando - um principezinho a fazer
serenatas à lua em sua flauta pastoril.
Ainda hoje me
interrogo quanto ao sentido da vida, sentindo-a cada vez mais absurda
e bela. É nesse absurdo e nessa beleza que guardo do Artista
H. Mourato a grata sensação de alguém que reage
ao que vê com a força dos sentimentos; de alguém
que não desenha o que vê, mas o que sente.
Em Mourato a
Arte não se justifica pela técnica, ela é
simplesmente o suporte de uma extraordinária
intuição sem mestre.
É
escusado procurarmos em Mourato influências de fulano ou de
sicrano. Estamos em presença de um artista da autenticidade
que guarda dentro de si a verdade limpa dos horizontes da sua terra natal.
Profundamente
telúrico, os seus retratos, de uma singular densidade
psicológica, ou se mostram vivos, num expressionismo
deformante, ora num surrealismo sem patronos. E todos nós nos
sentimos, quando retratados, amados por alguém que possui a
rara capacidade de intuir o que lhe é exterior.
A sua ironia
é fruto de uma contida e exuberante personalidade. Mourato
não se leva demasiado a sério. Ele observa-nos,
observando-se. Daí a sua tolerância, a sua ironia.
Por entre as
influências do impressionismo, do abstraccionismo, do
expressionismo e do surrealismo, por todas elas se passeia, sem de
nenhuma tirar o modelo. Ele sabe que existem: - Que nos façam
muito bom proveito!
Sempre que
revejo os desenhos de Mourato, esses que ele vai deixando em folhas
de papel do momento e no-los oferece como testemunho da sua ternura,
recordo uns versos que Torga dedicou à vida:
"Amo a
vida, esta bela prostituta
Esta mulher tão pura e dissoluta
No mesmo instante,
Que não dá tréguas a nenhum amante"
Esta mulher tão pura e dissoluta
No mesmo instante,
Que não dá tréguas a nenhum amante"
São
cinquenta retratos vividos, de escritores amigos e algumas figuras
tutelares que o tempo vai coleccionando e perdendo pelo caminho.
Lousã,
19/4/2000
Carlos Carranca
(in "RETRATOS COM-TRATOS")
Carlos Carranca
(in "RETRATOS COM-TRATOS")